Exposição realizada pelo Sesc São Paulo convida para experiência sensorial sobre a chegada e o nascimento do Hip-Hop em São Paulo na década de 1980
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Acervo com mais de 3 mil peças resgata memórias do Hip-Hop paulista em instalações que convertem história em dança, som e movimentos e traduzem a linguagem da rua para uma geração pós-digital.
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Estação São Bento: Marcos Telesforo, Fernando, DJ Hum, ThaÃde, Who e Marcelo. Foto: Sérgio Amaral/Estadão Conteúdo
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Quarenta anos após o inÃcio pulsante do Hip-Hop nas ruas de São Paulo, sua batida original ressurge no Sesc 24 de Maio como memória viva e afirmação cultural. A exposição HIP-HOP 80’sp – São Paulo na Onda do Break, aberta para visitação de 24 de julho de 2025 a 29 de março de 2026, convida o público para uma jornada que devolve à cidade gestos, sons e imagens de uma geração que criou com poucos recursos e máxima potência. Sob curadoria coletiva e com mais de 3 mil peças reunidas de forma inédita, a mostra reconstrói a revolução urbana que transformou inúmeros pontos da cidade em palcos de resistência – entre eles a estação São Bento, a Praça Roosevelt, o Parque Ibirapuera e a famosa esquina da 24 de Maio com a Dom José de Barros, onde está localizado o Sesc 24 de Maio, que sedia a exposição.
HIP-HOP 80’sp tem idealização e curadoria compartilhada por vozes e testemunhas da cena, como OSGEMEOS, Rooneyoyo O Guardião, KL Jay (DJ histórico dos Racionais MC’s), ThaÃde, as pioneiras Sharylaine e Rose MC e o b-boy ALAM Beat. “Fizemos um recorte especÃfico, um resgate histórico em prol da preservação da memória”, defende os curadores. “A ênfase está na importância de mostrar à s novas gerações como a cultura do Hip-Hop surgiu e se enraizou em São Paulo”, completam.
Segundo o diretor do Sesc São Paulo, Luiz Galina “ao realizar essa exposição, o Sesc reitera seu compromisso com a valorização e a historicização de matrizes culturais diversas, caracterizadas pela combinação entre contestação e inventividade, por entender que nas transgressões estéticas reside a semente de necessárias transformações sociais.
Direto de 1987, na Estação São Bento: nas laterais, OSGEMEOS; no meio, Rooneyoyo O Guardião | Acervo dos curadores
As mais de 3 mil peças apresentadas são oriundas de coleções pessoais, como a do Nelson Triunfo, Billy, Pierre, Ricardinho e Renilson do grupo Electric Boogies, além de acervos históricos nacionais e internacionais, incluindo registros inéditos da fotógrafa Martha Cooper – que documentou o nascimento do Hip-Hop em Nova York –, o documentário Style Wars (1983) de Henry Chalfant, obra fundamental sobre a cultura Hip-Hop, e gravações exclusivas do artista visual Michael Holman, que imortalizou as primeiras batalhas de break. Somam-se a essas relÃquias equipamentos de som originais, flyers de bailes black, roupas de época, colaborações do Museum of Graffiti (Miami) e outros objetos que testemunham uma era em que o improviso se reafirmou como linguagem criativa.
A mostra também ganha destaque pela dimensão sensorial e pela programação educativa integrada ao espaço expositivo. A área central recria a energia da São Bento dos anos 1980, um vagão de metrô cenográfico abriga oficinas de DJ, Hip-Hop, graffiti, dança e rodas de conversa, promovendo a continuidade da cultura de rua como espaço de aprendizado e troca intergeracional. Um setup completo de DJ de cristal com aparelhos autênticos dos anos 1980, um piano cinético que reage aos movimentos dos B.Boys e das B.Girls, e projeções de filmes selecionados pelos curadores completam essa jornada sensorial.
Grupo Eletric Boogies, 1984 | Acervo OSGEMEOS
A relação entre a Hip-Hop e o cinema é evidenciada na exposição com a exibição de trechos de filmes como Flashdance (1983), Beat Street (1984) e Breakin’ (1984), que ajudaram a popularizar a cultura. Outros tÃtulos fundamentais, como Style Wars (1982) e Krush Groove (1985), se popularizaram de maneira mais esparsa – por videoclipes, matérias jornalÃsticas ou cópias em VHS.
Getty Images / Michael Ochs Archives / 1983
Apesar de reconhecer a dimensão polÃtica da cultura Hip-Hop, a exposição enfatiza seu aspecto lúdico e coletivo, como ferramenta de expressão nos últimos anos de ditadura militar. “Fizemos Hip-Hop sem saber que fazÃamos Hip-Hop. Era expressão de liberdade, resistência, diversão e sobrevivência”, lembra Gustavo Pandolfo, d’OSGEMEOS. Rooneyoyo O Guardião completa: “Essa cultura nos salvou. Criou um lugar para a gente sonhar”. Gustavo destaca ainda o caráter singular do Hip-Hop brasileiro, que nasceu da escassez e se moldou com criatividade, a arte que o brasileiro tem do improviso: roupas que simulavam grifes, sons que misturavam múltiplas camadas, repente, capoeira e soul. “Foi uma resposta estética inventiva e inconfundÃvel”, reforça o artista.
Figura marcante do Hip-Hop paulistano dos anos 1980, Rooneyoyo O Guardião reúne memória viva, pesquisa de campo e articulação comunitária. Ao lado de amigos, ele percorreu arquivos pessoais, reconectou trajetórias e garantiu a presença de vozes e objetos essenciais para a reconstrução da narrativa na mostra, ajudando a transformá-la em uma homenagem legÃtima e pulsante à cultura que emergiu das ruas.
 Sharylaine, uma das primeiras-damas do rap nacional, 1988 | acervo pessoal Sharylaine
A presença das mulheres na cena do Hip-Hop nem sempre foi como hoje. Muitas barreiras foram rompidas por artistas que ajudaram a construir essa cultura desde suas raÃzes — como Sharylaine e Rose MC, nomes presentes na equipe curatorial de HIP-HOP 80’sp. Reconhecida como uma das primeiras-damas do rap nacional, Sharylaine fundou o grupo RAP Girls e segue ativa com uma trajetória marcada por lirismo e militância: “O Hip-Hop é a minha religião. A rima é minha oração.” Já Rose MC se define como “uma das pioneiras no Hip-Hop, B.Girl, rapper e mulher da cultura de rua”, expressando em sua própria trajetória o enraizamento e a longevidade dessa presença feminina na cultura urbana.
